segunda-feira, 19 de abril de 2010

Náná, suspira. Pequenas gotas de suor correm lentas pela pele do seu busto, sob o leve e solto vestido de verão comprado muitos anos antes em Marrocos, enquanto com a mão direita vai passando o ferro a vapor sobre os lençóis, notóriamente já muito vividos. Mecânicamente, com a esquerda, vai alisando o pano nas suas fronteiras sobre a tábua, como quem acaricia o dorso de um corpo adormecido. Como se soubesse de cor o afago, e nem termina o pensamento, suspirando de novo. Amaldiçoa, demasiadas vezes para o seu gosto, tal hereditariedade caída nas suas mãos, como as peças de roupa, corpetes e camisas de cambraia, dois séculos antes, caídas nas mãos pouco poupadas de sua bisavó...

Na pequena divisão da casa, banhada pelo sol da tarde já baixo e alaranjado, Náná suada mas vencedora, vai passando a vapor peça a peça, as peças da sua pilha de roupa lavada. És o que fazes, sempre a inquietar-lhe o corpo, por natureza sossegado, num espirito nunca acomodado. És o que fazes, como uma condenação. És o que fazes, como uma provocação. Náná lembra-se inevitávelmente da avó, de quem de resto herdou o nome, e da mãe de sua mâe, Gervaise. Dos homens das suas vidas, das vidas dos seus homens.
És o que fazes.
Aqui e agora, ela é Náná, dona e senhora de um turismo de habitação numa cidade imperfeita de um país qualquer, lavadeira de prognósticos improváveis, engomadeira dos alheios arrebates matinais e nocturnos, malabarista de destinos, cozinheira de mãos largas de pequenos almoços variados, coleccionadora de mapas, guia de visitas culturais e de lazer.

Tem as mãos secas, Náná. Mas não vazias.
Quando, por fim, termina a tarefa demasiado árdua para uma quente e soalheira tarde de estio, Náná acende um cigarro e arregaçando o gasto vestido azul cobalto, senta-se, olhando a serra.

És o que fazes, o bater cadenciado da sentença,
no ritmo da vida e da noite.
Ela sabe a si caber, não ser uma, nem a outra.